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Então CompartilheDiogo Fernandes e Branca Dias foram um casal de cristãos-novos portugueses que fugiram para o Brasil das perseguições da inquisição que ocorriam em Portugal e, na visão de José Antônio Gonsalves de Mello, foram os nomes dos judeus sefarditas mais citados dentre as Denunciações e Confissões que compõe a visitação do santo ofício ao Brasil entre 1593 e 1595.
Quanto a Diogo Fernandes, este veio para o Brasil depois do ano de 1535, sendo agraciado em 1542 com uma sesmaria de terras em Pernambuco pelo Donatário Duarte Coelho, levantando no referido local um engenho de açúcar denominado mais tarde "Camaragibe" ou "Santiago", tendo chegado à colonia portuguesa na America do Sul antes de sua esposa Branca Dias.
As acusações contra Diogo Fernandes incluiam: guardar os sábados, ocasião na qual se apresentava de roupa lavada; a não obediência à prescrição de não comer carne em dias de preceito de fé cristã; a descrença em Jesus Cristo, manifestada pelo fato de não olhar um crucifixo, virando o rosto quando alguém pronunciava tal nome; bem como ter lançado da boca uma hóstia que acabara de receber no ato da comunhão.
Feleceu por volta do ano de 1565, e, em seu leito de morte, negou-se a mencionar o nome de jesus, o que fora denunciado por Anna Lins em sessão de 10 de novembro de 1593, quando Anna declara que:
"Dixe mais que no ditto tempo que em sua casa esteve morreo o ditto diogo Fernandes, marido da ditta Branca Dias, do mal que lhe deu hum dia pella manhaã e ho acabou na mesma menhaã, e estando lhe dizendo naquella ora da morte dona Breatiz de Albuquerque, Capitoa desta terra, que chamasse pelo nome de jesus e, nomeando muitas vezes, elle virava sempre o focinho e nunca ho quis nomear".
Branca Dias era cristã-nova portuguesa e nasceu por volta de 1518 em Viana da Foz do Lima, filha do judeu espanhol Antonio Afonso, também conhecido como Vicente Dias, e da cristã-nova portuguesa Violante Dias, tendo sua mãe sido vítima da inquisição no ano 1543, consoante o processo de n.° 5775 no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal e sentenciada a "Abjuração publica dos seus erros, dois anos de cárcere, hábito penitencial, seja absoluta ‘in forma eclesia’ da excomunhão maior em que incorreu, ficando reservada a comutação da penitência quando parecesse serviço de Nosso Senhor".
Assim como sua mãe, Branca Dias também foi processada pelo tribunal do santo ofício em Lisboa, como consta do processo da inquisição portuguesa epigrafado com o n.° 5736 no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal sendo submetida à condenação por: "Abjuração pública, dois anos de cárcere e hábito penitencial pela prática de judaísmo”.
Após cumprir seu período de prisão, de 1543 a 1545, saiu de Portugal em direção ao Brasil em busca de seu marido Diogo Fernandes, o qual se encontrava em Pernambuco. Já em terras da dita colônia, Branca Dias residia com seu marido e seus filhos na rua dos Palhais em Olinda, onde, secretamente, aos sábados, funcionava uma sinagoga da família e, em razão de uma crise nos negócios de Diogo, decidiu instalar em sua casa uma escola destinada a "ensinar meninas moças a coser e a lavar". Mesmo após seu falecimento, entre 1588 e 1589, com idade de 70 anos, Branca Dias fora citada inúmeras vezes nos interrogatórios da inquisição feitos no período da visitação ao Brasil, nos processos em que suas filhas eram acusadas por "heresia", por praticaram a fé judaica em segredo.
A título de exemplo estão os relatos de Andreza Jorge, uma das filhas do referido casal Branca e Diogo, a qual, nos autos do processo da inquisição de n.º 6321 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo relatou em confissão o seguinte:
"(...) e que se lembava de mais, que no tempo em que tem dito em que sua mãe Branca Dias ensinou a ela, confisente, a crença da Lei de Moises, estavam também presentes suas irmãs Inês Fernandez, Violante Fernandez e Guiomar Fernandez, defuntas, e Andreza Jorge (..) e a todas elas, e a ela confisente, juntamente ensinou, a dita sua mãe, que cressem na Lei de Moisés, e que por sua soma guardassem os sábados e fizessem as mais cerimônias que tem declarado que a dita sua mãe lhe ensinou, porque também ela, a dita sua mãe, cria na dita Lei de Moisés e a guardava. E logo ali elas lhe disseram que o fariam. E de feio, dali por diante ela, confisente, e as ditas suas irmãs Andreza Jorge, Inês Fernandes, Guimar Fernandez e Violante Fernandez e a dita sua mãe, enquanto ela viveu, se tratavam como pessoas apartadas da fé (...) e que criam e viviam na Lei de Moisés e juntamente todas, ora em casa da dita sua mãe, ora em casa de cada uma das ditas suas irmãs, guardavam os sábados em companhia, não trabalhando neles (...) nos quais vestiam camisas lavadas (...) e lençois lavados na cama, e costumando todas a trabalhar nos dias de semana fiando, lavando, cozinhando e dobrando, não faziam nenhum destes serviços nem outro algum nos ditos sábados de trabalho, dizendo umas a outras que os guardavam por guarda da Lei de Moisés (...)".
Do dito acima, é evidente que Branca Dias era judia com o estatuto de cristã-nova portuguesa, tendo sido ela própria processada e, mesmo após sua morte, citada em outros processos da inquisição em Portugal. O casal Branca Dias e Diogo Fernandes deixou vários descendentes, dentre os quais Violante Fernandes, figura que também nos desperta grande interesse.
Violante Fernandes veio junto a sua mãe para o Brasil e era amiga de Bento Teixeira, um professor que morava pelas redondezas de Olinda, em Pernambuco, o qual também era cristão-novo, e que em um interrogatório no processo da inquisição de N.° 6321 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo diz o seguinte:
"(...) que passados depois disto dois meses, pouco mais ou menos, adoeceu a dita Violante Fernandez da doença de que faleceu (...) a foi visitar, não se lembra o dia que era nem de que mês, estando ele, declarante, visitando na dita casa da doente onde estava em cama. E estavam com ela as ditas Andreza Jorge e Inês Fernandez (...) e a dita Guiomar Barbalha e estando assim todos, ele declarante perguntou a dita Violante Fernandez como estava e que tal achara do melão que lhe tinha mandado, e ela respondeu que algum tanto estava atribulada e que o melão dera a dita sua filha Guiomar Barbalha, e perguntou ele, confisente, o que a dita Guiomar Barbalha que tal achara do melão, ela lhe disse que o dera a Anna Duarte, sua mulata. E a dita Violante Fernandez disse que não comeram o dito melão porque a dita sua filha e as ditas suas três irmãs, que presentes estavam, faziam o jejum da Rainha Hesther aquele dia para que D-us lhe desse saúde a ela que estava doente, a dita Violante Fernandez disse que se D-us a levasse daquela doença que já tinha dito as ditas suas irmãs Andreza e Inês Fernandez como a haviam de enterrar, e ele declarante lhe perguntou como se mandava enterrar (...) e a dita Violante Fernandez respondeu que mandava que a amortalhassem em um lençol de pano virgem que assim é chamado ao pano novo, e que lhe lavassem o corpo, cortassem as unhas e lhe metesse uma joia na boca (...) faleceu a dita Violante Fernandez da doença e estando amortalhado o corpo da dita Violante Fernandez, ele, declarante, foi a mesma casa e perguntou as ditas Andreza Jorge e Inês Fernandes, que estavam em suas camas cobertas com mantos chorando, 'a bem aventurada vai amortalhada como ela mandou que a amortalhasse?', e elas lhe responderam que sim. (...)".
Ao mesmo passo e, no mesmo processo acima citado, uma irmã de Violante, Andreza Jorge, confessa que tanto ela quanto a referida sua mãe bem como sua irmã Violante eram judias, e que aprenderam determinados ritos e práticas da "Lei de Moisés" com sua mãe Branca Dias, nos seguintes termos:
"(...) e a dita Ré disse o seguinte: que havia quatorze anos que estando ela em casa de sua irmã Violante Fernandez, casada com Antonio Barbalho, cristão-velho, na vila de Olinda de Pernambuco do Brasil (...) viu que a dita sua irmã Violante Fernandez guardou os sábados, não fazendo neles nenhum único serviço do que costumava fazer pela semana, que era cozer, lavar e fiar nos ditos sábados pelas manhãs, na cama lençois lavados e vestindo nos mesmos sábados camisa lavada (...) que ela, Ré, nunca perguntou a dita sua irmã, disse ela, a causa porque guardava os ditos sábados (...) mas bem entendia ela, Ré, que a dita sua irmã era judia e fazia aquelas coisas pela Lei de Moises (...) e que isto lhe parecia a ela, Ré, ser assim porquanto ela, Ré, era judia e sua mãe a tinha ensinado a ela, Ré, e que estas coisas viu ela fazer a dita sua irmã em espaço de dois anos que ela, Ré, morou em casa dela (...)".
Em algumas situações, caso um judeu quisesse reconhecer outro judeu, jogava-se algumas palavras perdidas, e caso compreendidas pela pessoa a qual se desconfiava crer na Lei de Moisés, eram respondidas reciprocamente e em sintonia. Foi assim entre Bento Teixeira e Violante Fernandes, consoante depoimento colhido no interrogatório de Bento ao Tribunal do santo Ofício em Lisboa em data de 29 de novembro de 1597 nos autos do processo da inquisição de n.º 4580 do Tribunal do santo Ofício do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que tinha como ré Beatriz Fernandes, uma outra filha de Branca Dias e irmã de Violante Fernandes. O cristão-novo Bento relatara que havia conhecido Violante Fernandes a partir da forma adiante transcrita:
"Ele, confisente, disse para à dita Violante Fernandez as palavras seguintes: 'Ainda que Vossa mercê veja os filhos desta forma, que é uma das bençãos que o Senhor lançava antigamente', e a dita Violante Fernandez disse: 'por que, agora não os lança?' e ele, declarante, tornou a dizer: 'Dizem os cristãos que já isto é acabado.' e a dita Violante Fernandez disse: 'Acabados os vejo eu, e os nossos bens principiados.' e o confisente disse: 'Quando há isto de ser?' (...) a dita Violante Fernandez respondeu: 'Espero eu no Senhor, que pôs o Seu Nome em Quatro Letras, que antes que morra os hei de ver os ditos bens, porque assim me disse minha mãe.'.".
O ultimo trecho, ao citar a composição sagrada do Nome do Eterno não nega o quanto, mesmo tendo passado pela forçada conversão ao cristianismo, o fato de que aqueles judeus não perderam a crença em D'us, em sua fé e em seus ritos, fazendo o possível, e muitas vezes o impossível, para perpetuar seus costumes, os passando a seus filhos, e aos filhos de seus filhos, alcançando muitas famílias que deles descendem nos dias de hoje.
Referências:
Processo n.º 5775 - Tribunal do santo Ofício - Violante Dias - Arquivo Nacional da Torre do Tombo;
Processo n.º 5736 - Tribunal do santo Ofício - Branca Dias - Arquivo Nacional da Torre do Tombo;
Processo n.º 6321 - Tribunal do santo Ofício - Andresa Jorge - Arquivo Nacional da Torre do Tombo;
Processo n.º 4580 - Tribunal do santo Ofício - Beatriz Fernandes- Arquivo Nacional da Torre do Tombo;
Senhores de Engenho judeus em Pernambuco Colonial - Alexandre Ribemboim;
Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil; Denunciações e Confissões de Pernambuco 1593-1595 - José Antônio Gonsalves de Mello;
Gente da nação - José Antônio Gonsalves de Mello;
BENTO TEIXEIRA E A “ESCOLA DE SATANÁS” - O Poeta que teve a “prisão por recreação, a solidão por companhiae a tristeza por prazer”- Eneida Beraldi Ribeiro;
Segundo as judias costumavam fazer: As Dias-Fernandes e o Criptojudaismo Feminino no Pernambuco do Século XVI - Suzana do Nascimento Veiga;
Foto de capa - A casa de Branca Dias - Açude do Prata - Recife.
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