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MENTALIDADE ESTREITADA, LABOR PESADO – BENÇÃO DISFARÇADA
Por Hazan Fernando Oliveira
A porção semanal principia com a enfática promessa do Eterno a Moshé Rabênu de que Am Israel será redimido da severa escravatura imposta por Mitsráim, para cumprir a promessa feita aos nossos pais Abrahão, Isaac e Jacob e de ser tomado como povo a fim de ser levado para a terra prometida como herança (Shemôt – Êxodo 6:2 a 8). Assim, Moshé recebe da parte de HaShem um panorama da visão da gueulá, uma visão precisa da redenção do Egito escravocrata. Qual é a atitude do filho de Amram? Ir apressadamente em direção ao povo e contar entusiástica e otimisticamente a boa notícia de que ele será redimido dessa pesada escravidão. “No entanto, como em toda grande história”, conforme o Rabino Moshé Grylak, “encontramos ‘pequenos’ fatos, ocultos por trás das manchetes principais” (1998, p. 73). Para esse sábio de Torá, fatos/episódios que apresentam efeitos e vigor moral não absolutamente inferiores ou menores do que os fatos da história central.
“E falou Moisés assim aos filhos de Israel; e não escutaram a Moisés por causa da angústia do espírito e pela dura servidão” (Shemot – Êxodo 6:9. Tradução de Ribi Matzliah Melamed ZT”L).
Está aí um dos fatos “menores” da grande história da Saída do Egito, ocultado por trás da manchete principal histórica e enredando-lhe seu desdobrar de forma pungente. Um fato bipolarizado em duas matrizes do estado existencial de Am Israel: kótser rúach e ‘avodá cashá a ponto de por meio dos quais o povo não prestar atenção alguma ao relato redentivo dado por Moshé. O filho de Amram se vê diante de um total estado deprimente de desesperança dos israelitas diante do relato da promessa divina da gueulá. Nesse tocante, o comentário de Rashi é incisivo:
[6:]9. Mas eles não ouviram a Moshé. Eles não aceitaram consolo. Devido ao espírito curto. Aquele que está angustiado [col mi shehú metsêr – lit. todo aquele que está encurtado/apertado], o seu espírito e a sua respiração tornam-se curtos [ruchô unshimatô ketserá]. E não consegue respirar profundamente [veenô iachôl lehaarích binshimatô – ou e não podiam alongar-se em sua respiração].
O comentário de Ribi Abraham Ibn ‘Ezra frisa dois motivos para Moshé não ser ouvido pelo povo: a longevidade do exílio e o trabalho pesado que foi renovado (intensificado) sobre ele:
[6:9] E disse. E não o ouviram. E não prestavam atenção às palavras dele [de Moisés], porque estavam em angústia devido à duração longeva da Galut e por causa do trabalho pesado que fora renovado [intensificado] sobre eles.
Rashbam, neto de Rashi, em seu comentário, frisa que no início o povo até acreditou na redenção, mas a queria imediatamente: ela não sucedendo dessa forma, o povo passou a não mais ouvir Moshé e dar crédito à sua missão, culminando no estreitamento da mentalidade:
[6:9] E não escutaram a Moisés. Agora, mas no início eles acreditaram, conforme está escrito [Shemot 4:31]: “e o povo creu”, porque supunham que descansariam do labor pesado, mas eis que agora [observaram] que o trabalho ficou mais pesado sobre eles do que antes.
A alma das pessoas estava acometida de fenômenos tão veementemente comuns neste século XXI: síndrome do pânico, transtorno de ansiedade, traumas, vidas machucadas pelo sofrimento escravocrata de Mitsráim, porque elas foram bloqueadas por uma mentalidade encurtada e por um labor pesado, sobretudo pela sua intensificação. Isso finca raízes psíquicas na formação da mentalidade dessa Galut: a mentalidade estreita/encurtada do exilado, ou um “horizonte estreito”*, na tradução do Rabino Menahem Diesendruck (2011, p. 142). Esse estado interior e existencial dialoga perfeitamente com o étimo de Mitsráim: aquilo que limita, restringe.
*Nota parentética: O rabino Aryeh Kaplan ZT”L oferece outras traduções para kôtser rúach: “desapontamento”, “impaciência”, ou “espírito partido” (A TORÁ VIVA, 2013, p. 282).
O rabino Moshé Grylak explica que, para o povo, o problema de kótser rúach e ‘avodá cashá das pessoas em seu estado de amargura era para ser resolvido não pela redenção, mas “com o benefício imediato: a redução da cota diária de tijolos que deviam fornecer” (1988, p. 74). Noutras palavras, o povo como que disse a Moshé: “se tens o que nos oferecer de imediato, o aceitaremos; se podes aliviar o peso do serviço de hoje, bendito sejas; mas não partilharemos de seus sonhos de redenção, pois não ambicionamos a liberdade e queremos apenas repousar – logo, é isto que nos basta neste instante” (Idem, p. 74). Em suma, as pessoas do povo estavam turvadas em sua angústia e sob o peso do trabalho escravo que só ansiavam pela liberação desse labor, mas estavam, ainda, sem paladar espiritual para o sabor da libertação das mãos de Mitsráim.
Logo depois, Moshé Rabênu, estando desapontado pela mentalidade estreita e sem horizonte de expectativa de redenção do povo, se expressa para o Eterno, mesmo tendo Ele o comissionado a ir exigir do Faraó a libertação do povo: “eis que os filhos de Israel não me escutaram, e como me escutará o Faraó? E eu sou incircunciso de lábios” (Shemot 6:12). Quanto à parte final desse versículo, o problema da dificuldade da fala é solucionado quando HaShem colocou Aharon junto com Moshé para servi-lo como porta-voz e interpréte (Rashi). Não obstante, deparamo-nos com passuc muito importante, o qual é a resposta do Eterno para que Moshé não desista de sua missão e passe a lidar com o kétser rúach do povo a fim de tirá-lo desse estado interior:
“E falou o Eterno a Moisés e a Aarão e ordenou-lhes sobre os filhos de Israel e sobre o Faraó, rei do Egito, para tirar os filhos de Israel da terra do Egito” (Shemot 6:13). Ordenou-lhes o quê? O Midrash apresenta várias interpretações. Vejamos algumas:
Rashi aceita a interpretação, de Shemot Rabá 7:3, de que o Eterno ordenou a Moshé e a Aharon que eles tratassem o povo com suavidade e paciência. Contudo, o Ba’al haTurim, baseando-se numa interpretação conjunta das quatro ocorrências de vaitsavêm (e ordenou-lhes) ao longo do Tanách (Êxodo 6:13; 34:32; 2 Reis 11:5 e 17:35, considerando que esses versículos de 2 Reis são injunções contra a idolatria e o derramamento de sangue, respectivamente) ensina que Moshé ordenou o povo a se distanciar da idolatria (Cf. Midrash Mechilta) e do derramamento de sangue.
Segundo o rabino Moshé Grylak, a seguinte interpretação midráshica, também constante de Shemot Rabá 7:3, é “a resposta de Deus à decepção de Moisés” (1998, p. 75): “Disse-lhes [a Moisés e a Aarão] o Santo, Bendito seja Ele: Meus filhos são teimosos, desobedientes e resmungões. Mesmo assim, deveis aceitá-los, ainda que vos amaldiçoem e apedrejem”. Assim, conforme o rabino Grylak (1998, p. 75), “nos seus primeiros passos como líder do povo, ao ver revelada sua primeira decepção, Moisés recebe de Deus uma espantosa lição sobre liderança”. Tendo essa lição aprendida, Moisés poderia evitar uma decepção maior que talvez o fizesse oscilar em sua missão. Como sabemos, ele levou a cabo sua missão e Am Israel saiu do Egito.
Mas será que mesmo um estado negativo/angustiante como kótser rúach não seria uma bênção disfarçada? O Ba’al haTurim (2004, p. 577) explica que mikôtser é escrita faltando uma letra vav. Desse modo, mikôtser (por causa da estreiteza) surpreendentemente tem o valor numérico de 430 como que querendo dizer: “no fim de 430 anos, sairiam”, como está dito [em Êxodo 12:41]: “e aconteceu no fim de 430 anos”. Nesse caso, como lembra o rabino Avie Gold, no rodapé do comentário do Ba’al haTurim, “quatrocentos e trinta anos desde o tempo em que Deus falou com Abrahão” em Gênese 15:13 (2004, p. 577-578), de modo que, como frisa Rashi, “não se chega a um total de 400 anos, contando-se a partir da chegada ao Egito. Assim, somos obrigados a dizer que também os outros lugares onde os Patriarcas habitaram foram incluídos, chamados de ‘peregrinação’ “. Diante disso, continua Rashi, “precisamos dizer que a profecia: ‘deves saber que teus descendentes serão estranhos em uma terra que não é a deles’ [Gênese 15:13] se refere ao período desde que Avraham teve filhos. E quando se conta os 400 anos desde o nascimento de Itschak se encontra que, desde a chegada ao Egito até o êxodo, foram transcorridos 210 anos” (2016, p. 120, 121).
A despeito de kôtser rúach significar angústia apertada do espírito ou mentalidade estreita, o termo aponta para a transcendência da mentalidade escrava para o estado de liberdade: o fim da Galut Mitsráim. No âmbito emocional, psíquico e espiritual, os tempos hodiernos são acentuados por kôtser rúach/’avodá cashá. O rabino Menahem Diesendruck ZT”L teve essa percepção contemporânea e universal. Esses termos expressam “o principal obstáculo que cada ideal encontra no caminho da sua concretização”. Assim, “esse fato é a causa básica que impede a propagação do verdadeiro ideal no espírito e no coração humanos”, de forma que “não só na era egípcia sofremos de falta de ânimo e duro trabalho; essa praga chegou a ser quase crônica, não somente no judaísmo, mas também na humanidade inteira, em todos os tempos” (2011, p. 141). Esse estágio avançado de esgotamento pode derivar de “trabalho exagerado”, uma tradução do rabino Diesendruck ZT”L para ‘avodá cashá como o “trabalho forçado” do tipo que envolve uma corrida desenfreada ao materialismo e em direção à acumulação de fortuna fazendo que a pessoa se esqueça de sua anatomia física e espiritual.
A expressão “bênção disfarçada” é do rabino Gabriel Benayon, a qual usa para designar a ansiedade com seus transtornos e afins em seu livro “Da minha ansiedade a sua felicidade”. Percebi uma evidente ligação do termo “bênção disfarçada” com o kôtser rúach na concepção trazida pelo Ba’al haTurim: vê-lo como uma oportunidade do fim do exílio físico, psíquico e espiritual. Nas palavras do rabino Gabriel Benayon: ver positivamente a ansiedade como “uma oportunidade para a superação pessoal, crescimento e para transcender todos seus limites” (2018, p. 36). Para esse sábio de Torá, “devemos compreender que tudo que nos ocorre é parte de um plano divino que está concebido até em seus mais mínimos detalhes” e que devemos compreender apropriadamente “que o Criador sabe com exatidão o que podemos lograr e quais desafios temos que enfrentar para poder fazer reluzir o nosso potencial” (2018, p. 34). Transformar o kôtser rúach em oportunidade de superação e vitória sobre os pensamentos de aperto para se readquirir o controle sobre as emoções para que se remova todo rastro de ansiedade e depressão a fim de que haja uma gueulá interior e uma abertura de mentalidade.
Shabat Shalom!
Chôdesh Shevat Tôv uMevorach!
REFERÊNCIAS
TORÁ – LEI DE MOISÉS. Tradução do Rabino Meir Matzliah Melamed, Comentários do Rabino Meir Matzliah Melamed et al. 2.ed. São Paulo: Editora Sêfer, 2001.
A TORÁ VIVA. Pentateuco e as Haftarôt. 2.ed. Trad. Adolpho Wasserman. Comentários de Rabino Aryeh Kaplan. São Paulo: Maayanot, 2013
TORÁ – RASHI. SÊFER SHEMOT: ÊXODO: Com comentários de Rashi. Traduzido e anotado por Yaakov Nurkin com Haftarôt traduzidas e Targum Onkelos. São Paulo: Maayanot, 2016. (Coleção Torá-Rashi. Vol. 2).
TORah-Shemos/Exodus – BA’AL HATURIM’S COMMENTARY. 2.ed. Trad. Rabbi Eliyahu Touger; Edited, elucidated, and annotated by Rabbi Avie Gold. New York: Mesorah Publications, Ltd., 2004.
BENAYON, Gabriel Dinar, Rabino. Da Minha Ansiedade a sua Felicidade. Trad. IBRASA. São Paulo: IBRASA, 2018.
DIESENDRUCK, Menahem Mendel, Rabino. Sermões. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
GRYLAK, Moshé, Rabino. Reflexões sobre a Torá. Trad. Marcelo Firer. São Paulo: Editora Sêfer, 1998.
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