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Conflito de identidades consigo mesmo
Ambivalência e afirmação de Yaakov-Essáv para Yaakov-Israel
Por Fernando Oliveira
Leilúi Nishmat haRav Yaakov Tsvi ben David Aryeh ZT”L
Nesta semana nos deparamos, nos questionamos com a Perashat Vaishlach que tem como assunto-motriz o reencontro de Yaakob com seu irmão gêmeo Essáv. Reencontro que se dá após o nosso patriarca estar 20 anos fora – em fuga – do âmbito do ódio de Edom, sobretudo devido ao incidente de aquele haver se vestido com o pêlo e trajes deste para receber a berachá de Itschak Abínu. Poderíamos ver nisso o conflito da voz de Jacob com as vestes de Esaú posteriormente percebido na notória e emblemática luta daquele que se chamaria Israel com um eu que a Torá apenas o designa como “ish” (homem)? Para responder a essa pergunta, trarei certas reflexões-chave trazidas pelo recentemente falecido Rabino Jonathan Sacks (ZT”L), constantes de seu profundo livro A Letter in the Scroll (2000), originalmente publicado em inglês e traduzido e publicado no Brasil, em 2002, como Uma Letra da Torá.
Costumo fazer comentários sobre as porções semanais elencando e trazendo vários parshaním (comentaristas) com o fito de que compreendamos várias interpretações acerca de um assunto ou outro estudado. Não obstante, neste comentário me disponho a homenagear ao Rabino Jonathan Sacks (ZT”L) seguindo o modo com que fiz outro comentário trazendo apenas os comentários do Ba’al haTurim, conquanto algumas opiniões doutros sábios sejam trazidas para adendos de esclarecimento das reflexões do Ex-Rabino-Chefe do Reino Unido. Portanto, este texto de Torá é dedicado à elevação da neshamá de Rav Jonathan Sacks – ZT”L.
Além de indagar acerca de quem foi o ser misterioso com quem Yaakov lutou, Rav Sacks busca compreender o que significa essa luta e seu simbolismo atemporal para Am Israel: “a luta entre Jacob e seu misterioso adversário não é somente algo que aconteceu uma vez, há muito tempo. Devemos entender que ela se repetirá em momentos críticos ao longo da história judaica, nos intimando a ser quem somos” (p. 244). Todavia, antes de se debruçar sobre o significado atemporal desse encontro/luta de Jacob com o ser misterioso para Am Israel, o autor de “Uma Letra da Torá” questiona o momento original desse embate no tocante ao nosso pai Yaakob consigo mesmo: “temos a descrição de uma série de eventos, todos eles nos dizendo um pouco mais sobre a forma com que Jacob via a si mesmo” (p. 244).
Conforme Rav Sacks, a Torá nos fornece os eventos imprescindíveis para a compreensão e decifração de como nosso patriarca Jacob se auto-percebia como prova de que se auto-questionava: quem sou eu? A compra do direito da primogenitura, o vestir as roupas de seu irmão a ponto de dizer para seu pai já deficiente visual que era Essáv e consequentemente obtendo a bênção que Isaac tencionara dar para Esaú, o recebimento do nome de Jacob porque saiu do ventre materno segurando o calcanhar do irmão: “em conjunto, esses fatos sugerem uma proporção psicologicamente surpreendente. Jacob, ainda criança, queria ser seu irmão – Esaú, o primogênito, forte e caçador nato, o filho a quem o pai amava”, de modo que “Jacob, que não era nenhuma dessas coisas, queria ser Esaú, e não o caçula, o mais fraco e, aparentemente, o menos amado” (p. 244).
O Rabino Jonathan Sacks explica que a verdadeira berachá dada a Jacob por seu pai Isaac não foi a que fora destinada a Esaú com cujas vestes e com cujos pêlos Jacob estava fingindo ser quem ele não era, pois essa era “uma bênção de prosperidade material” (p. 245). Cf. Gênesis 27:28. Conforme o autor de “Uma Letra da Torá”, a berachá destinada para Yaakob Abínu foi dada por seu pai quando ele estava triste/angustiado ao tomar conhecimento de que Esaú casara com mulheres idólatras. O conteúdo dessa bênção para Jacob como Jacob (Cf. Gênesis 28:3-4) expressa e denota a herança filial de que se tornaria um povo frutífero e que herdaria a terra de Canaã sob a bênção de Abraham Abínu: percebe-se o caráter sumamente espiritual dessa berachá, obviamente incluindo as dádivas materiais em distinção ao caráter sumamente material daquela destinada para Essáv.
“Quanta aflição teria poupado a seu irmão e a si mesmo se conhecesse toda a história”, (p. 244), como atesta o Rav Sacks. A berachá com caráter sumamente espiritual tendo as dádivas materiais inclusas “sempre pertenceu a Jacob. A ironia é alarmante. Sua luta para ser Esaú foi desnecessária. Para merecer a bênção, Jacob precisou ser não Esaú, mas ele mesmo” (p. 245). E ele atinge essa condição, sua identidade, seu eu-Jacob no confronto com o “ish” (homem).
“À noite, sozinho, na véspera do reencontro com Esaú depois de longa separação, Jacob enfrenta a crise que define sua vida. Quem sou eu? Ainda sou o homem que quer ser Esaú? Ou posso ser eu mesmo? Este drama psicológico mudará o curso da história judaica. Jacob não tem como escapar. Amanhã, estará frente à frente com o irmão. Ele precisa decidir quem é – agora, ou nunca” (p. 245), palavras com as quais o Rabino Jonathan Sacks prepara o terreno para frisar e enfatizar uma interpretação do “homem” que lutara com nosso patriarca Jacob. Como atesta esse sábio de Torá, “a mais simples e profunda diz que seria o próprio Jacob e que a grande batalha travava-se em seu âmago. Passaria toda sua vida desejando ser outra pessoa ou finalmente se contentaria em ser quem era?” (p. 245).
“E ficou Jacob só, e lutou um homem com ele, até levantar-se a aurora. E viu que não podia com ele, e tocou-lhe na juntura de sua coxa, e desconjuntou-se a juntura da coxa de Jacob em sua luta com ele. E disse: envia-me, que vem rompendo a aurora. E disse: não te deixarei ir, salvo se me abençoares. E disse-lhe: qual é o teu nome? E disse: Jacob. E disse: não, Jacob não será mais teu nome, senão Israel, pois lutaste com (o anjo de) Deus e com homens e venceste” (Gênesis 32:25-29).
Nota parentética: o Rabino Matzliah Melamed ZT”L insere “(o anjo de)” na sua tradução de Torá, porque frisa a opinião de que o ish que lutou com Yaakov era o anjo de Esaú (Cf. Rashi, Zôhar, etc.).
Desprendendo-se das amarras desse passado ainda presente em seu ser, vencendo a projeção do outro-Essáv em estado de alter-ego em si, Yaakob se tornou Israel: “Jacob tornou-se Israel quando aprendeu a ter orgulho de ser Jacob. Não mais agarrando-se ao calcanhar de Esaú, à sua bênção, à sua identidade, ao seu nome, Jacob superou por fim seu sentimento de inadequação e aprendeu a ser ele mesmo” (p. 246), conforme o Rabino Jonathan Sacks. Nesse contexto, afirma esse grande sábio de Torá: “durante todo o tempo em que Jacob quis ser Esaú, ameaçou-o e sentiu-se ameaçado por ele. Somente quando se tornou Israel, os dois irmãos puderam, na segurança de suas respectivas identidades, encontrar-se como iguais e despedir-se como amigos” (p. 246-247). Jacob lutou com sua identidade sob o espectro do ser Esaú.
É interessante ressaltar que a leitura do Rabino Jonathan Sacks é a mesma de outros sábios de Torá. Em seu artigo “Em busca de Deus e em busca de si mesmo”, por exemplo, o Rabino ortodoxo Shlomo Riskin shelita frisa essa leitura: “[...] o xis da questão entre Jacob e ele mesmo, entre Jacob e seu Deus, era Esaú. Somente depois que Jacob consegue, com sucesso, se separar de Esaú, é que ele se torna capaz de se confrontar com seu Deus”. O Rabino Riskin traz a opinião sugestiva do Rabino Shimshon Rafael Hirsch – ZT”L – de que o “ish” “pode bem ter sido o Esaú que havia em Jacob, que assombrava o patriarca com culpa e inveja” (2012, p. 250). Desenvolvendo essa interpretação, Rav Riskin arremata:
“Jacob recebe do estranho o nome vitorioso de Israel [...]. De que forma? Ele finalmente confrontou a personalidade gêmea dentro dele – o Esaú no qual ele queria se transformar a fim de tentar ganhar o favor do seu pai e conseguir momentâneos prazeres materiais. Ele conseguiu alcançar sucesso na remoção de Esaú e do ‘esauísmo’ de dentro dele. Ele está pronto a tomar toda a riqueza que recebeu de Labão durante seu ‘estado de ser como Esaú’ e devolvê-la a Esaú quando se encontrar com ele pela manhã: ‘toma a minha bênção’ (que eu recebi sob falsos pretextos), ele dirá. Assim, estará pronto a se aceitar como era anteriormente, mesmo em relação a seu pai. Ele está, por isso, pronto para retornar para casa, não como Jacob-Esaú e, sim, como Jacob-Israel” (2012, p. 250).
Como a luta de nosso pai Jacob não ficou limitada ao seu tempo, ela tem um caráter atemporal atingindo a história de Am Israel. Não devemos deixar a ambivalência Jacob-Esaú trazer assimilação e secularização, embora o Rabino Jonathan Sacks frise que na Europa Iluminista existiam “Jacobs que não queriam ser Jacob” (2002, p. 246). No entanto, “Jacob tornou-se Israel quando aprendeu a orgulhar-se de ser Jacob. Nós temos que aprender a nos orgulhar de sermos seus filhos” (2002, p. 247). “Porque enquanto judeus forem judeus, estarão contribuindo de forma única para a vida intelectual, espiritual e moral da sociedade. Se deixam de ser judeus, deixam um vazio em seu lugar e cala-se uma voz no diálogo da humanidade”, de modo que é “somente sendo precisamente o que somos, contribuímos com aquilo que ninguém, além de nós, pode dar” (2002, p. 252), explica o Rabino Jonathan Sacks. Portanto, que façamos valer o nome Israel em nossas atitudes e tendo orgulho disso garantindo a nossa continuidade ledor vador, pois que, afinal, carregamos o nome de todos os nossos avôt e nossas imaôt no nome ISRAEL: I – ITSCHAK e IAAKOV; S – SARÁ; R – RIVKÁ e RACHEL; ÁLEF – ABRAHAM; L - LEÁ.
Shabat Shalom!
REFERÊNCIAS
A Lei de Moisés com as Haftarôt, de Rabino Meir Matzliah Melamed; Editora Sêfer, São Paulo, 2001.
Luzes da Torá, do Rabino Shlomo Riskin. Editora Sêfer, São Paulo, 2012.
Uma Letra da Torá, do Rabino Jonathan Sachs. Editora Sêfer, São Paulo, 2002.
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