Perashat Tsav

O fogo contínuo no coração de Am Israel

Leilúi nishmat haRishon leTsion

haRav Mordechai Eliáhu ZT”L

Hazan Fernando Oliveira

Nesta semana estudamos a segunda perashá do Sêfer Vaicrá: Tsav. Essa porção semanal dá continuidade ao assunto concernente aos corbanôt (categorizados em cinco grupos: olá, minchá, shelamím, chatat e asham) como acontece na Perashat Vaicrá. Há um detalhamento minucioso das categorias dos sacrifícios e a forma como devem ser feitos, enfoque que abarca três capítulos (Levítico 6 a 8).

O Rav Mordechai Eliáhu ZT”L fez um comentário com uma profunda reflexão a respeito do esh al hamizbêach (fogo sobre o altar), que é enfatizado três vezes:

“[...] Ela, a oferta-queimada de elevação ficará sobre a queima, sobre o altar toda a noite até pela manhã e o fogo do altar queimará nela” (Levítico 6:2). “E o fogo sobre o altar queimará nele, não se apagará [...]” (Levítico 6:5). “Fogo contínuo queimará sobre o altar, não se apagará” (Levítico 6:6).

Por que a Torá insiste nessa tríplice ênfase do fogo queimando sobre o altar continuamente? Rav Mordechai Eliáhu ZT”L responde com um rémez (método explicativo alusivo):

“Sabe-se que tudo o que era feito no Mishkan e no Bêt haMikdash alude ao ser humano e o assunto dos três pessukím acima mencionados significa que é proibido ao ser humano esfriar-se na prática das mitsvôt e continuamente ele precisa realizá-los com êsh (fogo) – com calor e fervor, pois o modo de agir do ietsêr hará’ é vir de encontro e esfriar o ser humano no cumprimento das mitsvôt.

E eu estou sempre acostumado a dizer: que quando certa pessoa entra na sucá na noite da Festa de Sucôt tem grande alegria. Porém, no dia de Hoshaná Rabá, já não sente uma alegria especial. Mas, agora, vem a Torá e diz para a pessoa: também com as mitsvôt que você está acostumado a fazer, sempre seja cuidadoso para que o fogo não se apague [tamid tafkíd shehaêsh lo tichbê] e faça a mitsvá com o mesmo fervor e com a mesma vontade como se fora a primeira vez.

Há indivíduo que no primeiro dia semanal se fortalece como um leão*, levanta cedo e vai rezar, mas na segunda-feira já não mais levanta cedo. Mas, a Torá agora implica para a pessoa que sua vontade e sua perseverança precisam ser tamíd [algo contínuo] e diariamente deve levantar mais cedo e ir rezar. E sobre isso os comentaristas aludiram como foi dito sobre Amaleq “que te feriu no caminho”: todo o desejo de Amaleq é impedir Am Israel de cumprir as mitsvôt e já em caso de cumpri-las que as cumpram com frieza. Porém, isto está dito em Tehilím 68:4: “Mas que os justos se alegrem, exultem diante de D’us e que se regozijem com alegria”. Os tsadikím se regozijarão com o recebimento da recompensa no Olam Habá e com mais alegria eles são felizes pela recompensa que receberam porque realizam a mitsvá com alegria”. [Fim da Reflexão do Rav Mordechai Eliáhu ZT”L].

* O Rav Mordechai Eliáhu ZT”L faz alusão ao Shulchan Aruch, Ôrach Chaím, Capítulo 1, Artigo 1 – “Seja forte como o leão a fim de levantar-se pela manhã para o serviço do Seu Criador”, cuja fonte é Mishná Avôt 5:23.

Esse rémez desse grande sábio de Torá de sua geração elucida para nós o conceito de tamíd, de persistência, de perseverança na Avodat HaShem contra as tentações do esfriamento, do desânimo, do enfraquecimento e do abandono. Barminan!  Nossos sábios trazem palavras pujantes e renovadoras para que sejamos firmes no serviço divino, mesmo em tempos de crises.

O Rav Yehuda Amital ZT”L, em seu shiur “Lidando com crises”, diz que:

“As pessoas que se dedicam fundamentalmente a assuntos espirituais e que aspiram sempre a progredir e avançar em seus caminhos são, por vezes, acometidos por uma depressão temporária”. Conforme esse grande sábio de Torá de sua geração, “em tais momentos, é importante lembrar que isso é um fenômeno natural que afeta e afetou até mesmo grandes autoridades da Torá. Não se constitui um motivo de alarme” (2011, p. 247). Assim, para gerar uma profunda reflexão de que passamos por dias de subida e dias de descida, ou, em suas palavras, “dias de grandeza e dias de pequenez”, o Rav Yehuda Amital ZT”L observou atentamente o que disse o Rabi Moshé Chaim Efraim. Observou o que Rabi Moshé Chaim Efraim disse em nome do avô, o Ba’al Shem Tov:

“Este é o mistério da grandeza e da pequenez, como ensinou o meu avô ao comentar a frase ‘as criaturas corriam e retornavam’ (Ezequiel 1:14). É impossível se manter sempre no mesmo nível; as pessoas têm que subir ou descer. A descida tem por propósito, desde que a pessoa esteja permanentemente atenta, sabendo e sentindo que está num estado de pequenez, e rezando ao Eterno conforme está expresso na frase ‘E buscarás de lá ao Eterno, teu Deus, e O encontrarás’ (Deuteronômio 4:29). O significado de ‘de lá’ é – do lugar (ou do nível) em que se encontra a pessoa”.

Vemos que mesmo não estando o tempo inteiro na mesma posição nivelada da espiritualidade, as pessoas fundamentalmente dedicadas às questões espirituais devem rezar ao Eterno do nível em que elas estão, o que – na linguagem da nossa perashá – denota manter o fogo contínuo do altar de seu coração aceso, mesmo na situação da descida, da pequenez. “De lá” – misham – como diz Rabi Obadiá Seforno, “mesmo que não haja lá [sham] o Templo Sagrado, nem os utensílios sagrados”. Ou seja, seguindo o rémez proposto pelo Rishon leTsion haRav Mordechai Eliáhu ZT”L, devemos fazer do nosso coração um mizbêach com êsh tamíd tukad al hamizbêach lo tichbé – com fogo contínuo queimando sobre o altar, sem se extinguir (Levítico 6:6), mesmo temporariamente sem o mizbêach físico, para fazer dele parte integrante do misham – “de lá”- para buscar a HaShem nos tempos da descida.

Baseando-se, também, no comentário Orôt haCôdesh, Dérech haCôdesh, Sêder Shení nº 23, do Rav Avraham Itschak Kook ZT”L, o Rav Yehuda Amital explica que a descida ocorre com o objetivo de elevação espiritual junto com “a promessa de que a altura da ascensão será maior do que a profundidade da queda”. Esse fenômeno, segundo esse sábio de Torá parafraseando a reflexão de Rav Kook, ocorre em dose menor com qualquer pessoa e em toda a sua intensidade com pessoas elevadas (2011, p. 250). A percepção profunda da descida como meio da subida espiritual é impactante conforme lemos nestas palavras do Rav Kook, citadas pelo Rav Amital, das quais destaco:

“Quando uma pessoa sente que está enfrentando ruína espiritual, ela deveria saber que chegou a oportunidade de erigir um novo edifício, mas imponente, mais estável e mais magnificente do que o que estava lá anteriormente. Deve se fortificar e adquirir energia para aperfeiçoar seus caminhos e atos com um coração corajoso, desejo purificado e tendo a alma repleta de alegria interna. Porque Deus é justo e reto, e por isso instrui os pecadores para corrigir seus caminhos. Ele encaminha o humilde em justiça e ensina ao submisso Seu caminho”.

Como explicou o Rav Amital, “quedas espirituais não resultam necessariamente de fraqueza; elas são uma parcela da vida de qualquer pessoa que tenha aspirações espirituais, mas não conseguem se manter sempre no mesmo nível”. Ainda explicando o ensinamento do Rav Kook, Rav Amital ensinou que “obviamente, há diferenças entre os tipos de queda, dependendo de sua natureza, sua intensidade e duração. Entretanto, fundamentalmente, uma queda espiritual não se constitui numa permissão para o desespero e uma depressão prolongada” (2011, p. 251).

Na linguagem da nossa perashá, a troca de edifício alude à troca restauradora por um novo e forte mizbêach do coração, para que um elevado fogo queime sobre ele, fruto do esforço do “de lá”, do nível em que se encontra, de onde a pessoa buscou ao Eterno para subir através da descida. Isso equivale a um despertamento espiritual, Hit’orerut, e conforme o Rav Eliézer Papo ZT”L, os símbolos externos, o cumprimento de uma mitsvá e sobretudo o estudo contínuo e regular da Torá não só despertam, mas também ajudam a manter o despertar interior da pessoa. O que equivale, a manter o esh aceso contínuo no coração de Am Israel.

Outro exemplo de palavras pujantes e renovadoras dos nossos sábios é visto neste comentário de Rashi sobre Cânticos 1:8, com o ensino da seguinte alegoria:

“Se tu não souberes por ti mesma, ó minha assembléia e minha congregação, a mais bela das mulheres, entre as nações, onde tu pastorearás e serás salva das mãos dos que te oprimem para estar entre eles e teus filhos não terem sido destruídos, considere os caminhos dos teus primeiros antepassados que receberam a Torá, observaram a Minha ordenança e os meus mandamentos e vá para seus caminhos. E também como recompensa disso, tu pastorearás tuas crianças próximas dos príncipes das nações. E assim falou Yirmeiáhu [Jeremias]: ‘erga sinais para ti... coloque o teu coração no caminho, etc”.

Em suma, chegando ao ponto em que não se sabe o que fazer na Avodat HaShem por causa da esfriamento espiritual, miremos o exemplo dos nossos avôt rishoním que receberam a Torá como êsh tamíd ledor vador por meio da atemporal declaração na’assê venishmá após a redenção do Egito.

Shabat Shalom veChag Pêssach Kasher veSamêach!   

Referências

AMITAL, Yehuda. Rabino. Valores Judaicos no Mundo em Transição [VehaÁrets Natan livnê Adam]. Trad. David Gorodovits. São Paulo: Editora Sêfer, 2011.

ELIÁHU, Mordechai. Rabino. Parashat Tsav miDivrê haRav Mordechai Eliáhu Zécher tsadik vekadosh livrachá. Tradução livre minha. Disponível em:

https://www.yeshiva.org.il/midrash/41489    Acesso em 21/03/2021

PAPO, Eliézer. Rabino. Péle Ioêts [Conselhos Extraordinários]. Trad. Paulo Rogério Rosenbaum. São Paulo. Editora Sêfer, 2003.

RASHI. Rabino. Comentário sobre o Cântico dos cânticos. Tradução livre minha. Disponível em: https://www.sefaria.org/Song_of_Songs.1.8?lang=bi&p2=Rashi_on_Song_of_Songs.1.8&lang2=bi  Acesso em 21/03/2021.

SEFORNO, Obadiá. Rabino. Comentário sobre Deuteronômio. Tradução livre minha. https://www.sefaria.org/Deuteronomy.4.29?lang=bi&aliyot=0&p2=Sforno_on_Deuteronomy.4.29.1&lang2=bi Acesso em 24/03/2021